Muitas vezes, costumamos usar frases como “estou passando por uma tempestade”  para falar que estamos passando por uma situação difícil. E quantas vezes também  dizemos que nossa comunidade está navegando em “águas tranquilas” ou de “vento  em popa”. Com isso, queremos dizer que no momento não há dificuldades, que tudo  vai bem, as pessoas se entendem e de fora não há maiores ameaças que possam  destruir o espírito comunitário.
Mas, é assim que sentimos normalmente a comunidade? Ou existem outras figuras  que explicam melhor o que se passa? Por exemplo: parece que “o barco está  afundando” ou uma “tempestade” atingiu nossa comunidade, ou ainda, tem muita  “onda brava” querendo nos arrasar. Que significa isso? Significa que o “mar” da  nossa sociedade está tão cheio de perigos e de ameaças que a gente não consegue  mais se defender. Ou que os “ventos” do espírito de egoísmo e consumismo invadem  tudo.
E nós? Ficamos com medo ou resistimos com confiança e coragem? Como sentimos  a presença de Jesus que acalma a tempestade?
São Marcos usa essa mesma linguagem para mostrar como a comunidade cristã  estava 37 anos após a Morte e Ressurreição de Jesus. Explico-me melhor:
Quando surgiu o Evangelho de Marcos, por volta do ano 70 d.C., a comunidade  cristã estava sendo perseguida pelo Império Romano. A situação de medo, pavor e  intranquilidade fez com que Marcos comparasse essa comunidade com um barquinho  perdido no mar da vida, açoitado por ventos fortes e impedido de chegar ao  porto.
Para os judeus o mar era o lugar da morada dos monstros e dos poderes da  morte, onde a frágil vida do homem estava em constante perigo. Para os cristãos  daquela época Jesus parece estar dormindo, pois não aparece nenhum poder divino  para salvá-los das perseguições. É em vista desta situação de desespero que  Marcos, na hora de escrever o seu Evangelho, como resposta positiva para as  comunidades se animarem, recolhe vários episódios da vida que revelam qual o  Jesus presente no meio da comunidade cristã.
Com esse episódio, Marcos procura abrir os olhos dos cristãos para  mostrar-lhes que o contrário da fé não é a incredulidade, mas sim o  medo. E que o medo impede de compreender Jesus como o Senhor da  vida, que triunfa sobre a morte. Jesus é vencedor! Não há motivo para os  cristãos terem medo. Este é o motivo do relato da tempestade  acalmada.
Foi um dia pesado, de muito trabalho. Terminado o discurso das parábolas,  Jesus diz: “Vamos para o outro lado!”. Do outro lado do mar da Galileia ficava  uma região de gente “pagã”, que não pertencia ao povo israelita. Os discípulos  sentiam medo de entrar em contato com essa gente. Do jeito que Jesus estava,  eles O levam no barco, de onde tinha feito o discurso das parábolas. De tão  cansado, Cristo deita e dorme. Esse é o quadro inicial que o evangelista pinta.  Quadro bonito, bem humano.
O mar era um lugar que dava medo. O povo daquele tempo pensava que no mar  moravam grandes monstros e onde o demônio andava solto. Quem mandava no mar eram  os demônios. Por isso, na Bíblia, muitas vezes, mar não tem só o sentido de  grande extensão de água, mas também símbolo de perigo e das forças do mal.
Só que muita gente não sabe que o “mar” da Galileia, na verdade, não passava  de um grande lago cercado por altas montanhas. Às vezes, por entre as fendas das  rochas, o vento cai em cima do lago e provoca tempestades repentinas provocando  as inúmeras interpretações, como as que já vimos.
Vento forte, mar agitado, ondas… São também símbolos de agitação, ligados ao  mar. Quando a primeira comunidade cristã refletia sobre essa passagem do  Evangelho, lembrava-se das dificuldades e ameaças de destruição que  enfrentava.
Os discípulos eram pescadores experientes. Se eles acham que vão afundar,  então a situação é perigosa mesmo! A barca era um instrumento para navegar. Mas  era também um símbolo da comunidade dos primeiros cristãos. Eles sentiam a sua  caminhada como um barco navegando pelo mar.
Jesus nem sequer acorda e continua dormindo. Este sono profundo não é  só sinal do grande cansaço, é também expressão da confiança tranquila que Ele  tem em Deus. O contraste entre a atitude de Cristo e a dos discípulos é  grande!
Os primeiros cristãos, muitas vezes, achavam que as dificuldades e  perseguições eram maiores do que as suas forças. Jesus, que tinha prometido  estar sempre junto deles, parecia estar dormindo.
Jesus Nazareno acorda, não por causa das ondas, mas por causa do grito  desesperado dos discípulos. Primeiro, Ele se dirige ao mar e diz: “Fique  quieto! Cale-se! Acalme-se!” E logo o mar se acalma. Não se trata de uma  ordem do Senhor que tem efeitos mágicos. Marcos não quer mostrar que Jesus pode  mudar as leis da natureza, quer mostrar que Ele é uma presença que vence os  poderes do mal e traz de novo coragem e confiança para os seguidores que estão  assustados com as dificuldades e perseguições.
Em seguida, se dirige, aos discípulos e diz: “Por que vocês têm medo?  Ainda não têm fé?” A impressão que se tem é que não é preciso acalmar o  mar, pois não havia nenhum perigo. É como quando você chega a uma casa e o  cachorro, ao lado do dono, late muito. Aí não precisa ter medo, pois o dono está  lá e controla a situação. O episódio evoca o êxodo, quando o povo, sem medo,  passava pelo meio das águas do mar (cf. Ex 14,22). Evoca o profeta Isaías que  dizia ao povo: “Quando passares pelas águas eu estarei contigo!” (Is  43,2). Jesus refaz o êxodo e realiza a profecia anunciada pelo Salmo 107  (106).
E acalma o mar e diz: “Então, vocês não têm fé?” Os discípulos não  sabem o que responder e se perguntam: “Quem é este homem a quem até o mar e  o vento obedecem?” Jesus parece um estranho para eles! Apesar da longa  convivência, não sabem direito quem Ele é.
“Quem é este homem?” Com esta pergunta na cabeça, a comunidade  cristã daquela época continuava sua leitura. E até hoje, é esta mesma pergunta  que nos leva a continuar a leitura do Evangelho. É o desejo de conhecer sempre  melhor o significado de Jesus para nossas vidas.
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