5 de março de 2012

A misericórdia de Deus é bem-aventurança, profecia e terapia

No imenso tesouro do Evangelho, a misericórdia é como uma gema preciosa que é  sólida e delicada ao mesmo tempo, verdadeira e transparente na sua simplicidade, brilhante pela vida e alegria que difunde. Compaixão, solidariedade, ternura e perdão são como seus ângulos de polimento, por onde se reflete – em raios coloridos e acessíveis – o amor regenerador de Deus.
Para mim, neste tempo da Quaresma, a misericórdia de Deus se traduz em resgate, cura, abrigo, libertação, sustento, proteção, acolhida, generosidade e salvação – graças tão marcantes na caminhada do Povo de Deus. No decorrer dos séculos, a comunidade cristã tem atualizado esta experiência em novos contextos, lugares e relacionamentos. A Liturgia a celebra. A prece a invoca. A pregação a proclama. Os místicos a enfatizam. O magistério a propõe. As obras a cumprem.
Antiga e sempre nova, a misericórdia de Deus se pode entender em outras palavras sob três pontos: bem-aventurança, profecia e terapia.
Como bem-aventurança, a misericórdia aproxima o Reino de Deus das pessoas, e as pessoas do Reino de Deus. É prática que dignifica o ser humano: tanto quem a dá, quanto quem a recebe. Está repleta de gratuidade e alegria, como disse Jesus: “Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).
As obras de misericórdia são também profecias da Justiça do Reino, que supera toda fronteira de raça, credo ou ideologia. Diante da humanidade ferida e carente, somos servidores da vida e da esperança, dentro e fora da Igreja, para crentes e não-crentes, a fim de que “todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10). Jesus nos indicou o exemplo do bom samaritano para mostrar a todos que a misericórdia não aceita fronteiras!
Enfim, a misericórdia é também terapia: compaixão que restaura, toque que regenera e cuidado que aquece. As obras de misericórdia têm eficácia curadora: socorrem nossa humanidade ferida pelo pecado e pelo desamor, restaurando em nós a imagem do Cristo glorioso, para que Suas feições resplandeçam na nossa face, na face da Igreja, na face de toda a humanidade redimida.
Se a compaixão é um sentir que nos comove na direção do próximo, a misericórdia se caracteriza como gesto que realiza este sentir solidário. Na compaixão temos um sentimento que mobiliza; na misericórdia temos o exercício deste sentimento. Daí os verbos: cumprir, mostrar, fazer e agir – que expressam a eficácia do amor misericordioso humano e, sobretudo, divino (cf. Êx 20,6; Sl 85,8; Lc 1,72 e 10,37).
A misericórdia tem caráter operativo: é amor em exercício de salvação. Se o amor é a qualidade essencial de Deus, a misericórdia é este mesmo amor exercitado para com a criatura humana, revelando a qualidade ativa de Deus.
Assim, a misericórdia se mostra muito mais na experiência do dia a dia, do que na conceituação teológica, catequética ou espiritual. E ainda que tal experiência se revista de beleza, o “lar” da misericórdia não é o discurso e nem explicações, porque as crianças abandonadas, os andarilhos e os excluídos da sociedade não “comem” explicações. O “lar” da misericórdia é a solidariedade. Seus órgãos vitais são o coração e as mãos que erguem o caído, curam o ferido, abraçam o peregrino, alimentam o faminto.
A misericórdia que Deus exige de você e de mim não é outra senão a evangélica que consiste em 14 obras, divididas em sete corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher o forasteiro, vestir quem está nu, visitar os doentes e assistir aos prisioneiros e sepultar dignamente os mortos. Todas essas obras centradas na exortação “cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
E também sete obras espirituais: dar bom conselho a quem necessita, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e mortos.
Meu irmão, em Emaús e à beira do lago da Galileia, Jesus toma o pão, abençoa e reparte. Os discípulos O reconhecem, por causa de Seu tato característico (Lc 24,30; Jo 21,12-13). Que gestos você tem feito para que as pessoas o reconheçam como discípulo de Jesus? Saiba que os gestos alimentam, curam e restauram. Eles são toques da misericórdia de Deus.
O nosso mandato é a prática da misericórdia para com o irmão: “Vai e faze o mesmo!”

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