No imenso tesouro do Evangelho, a misericórdia é como uma gema   preciosa que é  sólida e delicada ao mesmo tempo, verdadeira e  transparente na  sua simplicidade, brilhante pela vida e alegria que  difunde. Compaixão,  solidariedade, ternura e perdão são como seus  ângulos de polimento, por  onde se reflete – em raios coloridos e  acessíveis – o amor regenerador  de Deus.
Para  mim, neste tempo da Quaresma, a misericórdia de Deus se traduz  em  resgate, cura, abrigo, libertação, sustento, proteção, acolhida,   generosidade e salvação – graças tão marcantes na caminhada do Povo de  Deus. No  decorrer dos séculos, a comunidade cristã tem atualizado esta   experiência em novos contextos, lugares e relacionamentos. A Liturgia a   celebra. A prece a invoca. A pregação a proclama. Os místicos a   enfatizam. O magistério a propõe. As obras a cumprem.
Antiga  e sempre nova, a misericórdia de Deus se pode entender em  outras  palavras sob três pontos: bem-aventurança, profecia e terapia.
Como  bem-aventurança, a misericórdia aproxima o Reino de Deus das  pessoas, e  as pessoas do Reino de Deus. É prática que dignifica o ser  humano: tanto  quem a dá, quanto quem a recebe. Está repleta de  gratuidade e alegria,  como disse Jesus: “Felizes os misericordiosos, pois alcançarão  misericórdia” (Mt 5,7).
As obras de misericórdia são também profecias da Justiça do Reino,  que supera toda fronteira de raça, credo ou  ideologia. Diante da  humanidade ferida e carente, somos servidores da  vida e da esperança,  dentro e fora da Igreja, para crentes e  não-crentes, a fim de que “todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo  10,10). Jesus  nos indicou o exemplo do bom samaritano para mostrar a todos que a  misericórdia não aceita fronteiras!
Enfim, a misericórdia é também  terapia: compaixão que restaura,  toque que regenera e cuidado que  aquece. As obras de misericórdia têm  eficácia curadora: socorrem nossa  humanidade ferida pelo pecado e pelo  desamor, restaurando em nós a  imagem do Cristo glorioso, para que Suas  feições resplandeçam na nossa  face, na face da Igreja, na face de toda a  humanidade redimida.
Se  a compaixão é um sentir que nos comove na direção do próximo, a   misericórdia se caracteriza como gesto que realiza este sentir   solidário. Na compaixão temos um sentimento que mobiliza; na   misericórdia temos o exercício deste sentimento. Daí os verbos: cumprir,   mostrar, fazer e agir – que expressam a eficácia do amor  misericordioso  humano e, sobretudo, divino (cf. Êx 20,6; Sl 85,8; Lc  1,72 e 10,37).
A  misericórdia tem caráter operativo: é amor em exercício de  salvação. Se o  amor é a qualidade essencial de Deus, a misericórdia é  este mesmo amor  exercitado para com a criatura humana, revelando a  qualidade ativa de  Deus.
Assim, a misericórdia se mostra muito mais na experiência do dia a   dia, do que na conceituação teológica, catequética ou espiritual. E   ainda que tal experiência se revista de beleza, o “lar” da misericórdia   não é o discurso e nem explicações, porque as crianças abandonadas, os   andarilhos e os excluídos da sociedade não “comem” explicações. O “lar”  da  misericórdia é a solidariedade. Seus órgãos vitais são o coração e  as mãos que erguem o caído, curam o ferido, abraçam o peregrino,  alimentam o  faminto.
A  misericórdia que Deus exige de você e de mim não é outra senão a   evangélica que consiste em 14 obras, divididas em sete corporais: dar de  comer a quem  tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher o  forasteiro, vestir  quem está nu, visitar os doentes e assistir aos  prisioneiros e sepultar  dignamente os mortos. Todas essas obras  centradas na exortação “cada vez que o  fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”  (Mt 25,40).
E também sete obras espirituais: dar bom conselho a quem necessita,  ensinar os  ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos,  perdoar as  ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo,  rogar a Deus  pelos vivos e mortos.
Meu  irmão, em Emaús e à beira do lago da Galileia, Jesus toma o   pão, abençoa e reparte. Os discípulos O reconhecem, por causa de Seu   tato característico (Lc 24,30; Jo 21,12-13). Que gestos você tem feito  para  que as pessoas o reconheçam como discípulo de Jesus? Saiba que os   gestos alimentam, curam e restauram. Eles são toques da misericórdia de   Deus.
O nosso mandato é a prática da misericórdia para com o irmão: “Vai e faze o mesmo!”
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